Manifestando-se
mediante antipatia, desforra e recalques, a mágoa é um sentimento
autodestrutivo. Fortalecendo-se na ansiedade, “azeda” relações, sobretudo ante
os supostos agravos. Recusando incertezas, “arrebata-se” pela hipotética perfeição.
Gerando conflitos desnecessários, arruína relações. Diante disto, o magoado
considera-se um constante desafortunado. Como são inúmeros os malefícios
impulsionados pelo perfeccionismo, eliminá-la é indispensável ao amadurecimento
pleno. Perdoando é a única maneira de vencê-la.
Viciado
na autotortura, o amargurado é um constante procrastinador. Inábil para
resolver os seus problemas, apega-se às suas dores, remoendo a vida
“infinitamente”. Portanto, esquece que o passado e o futuro são belas ilusões.
Como só se respira ar contemporâneo, todas as experiências sempre se manifestam
no aqui-agora. É impossível tragar o que já passou, do mesmo modo que é pura
fantasia solver o porvir. Embriagada no passado, a raiva transmuda-se em mágoa.
Silenciada no presente, gera inúmeros transtornos. Transforme a raiva
antecedente às mágoas num eficaz solvente moral, porque assim eliminada será mediante
perdão e amor próprio.
Diante
das incertezas diárias, impossível é, uma vez ou outra, viver sem experimentar
dores e desgostos indesejados. Mesmo
inconsciente disto, acumulam-se
ferimentos, físicos e morais. Portanto, em algum momento liba-se algo
indesejado — o qual poderá principiar a mágoa. Aliás, incrédulos da
inexistência da perfeição absoluta, também é grande a possibilidade de
amargura, desilusão e autoflagelo nas relações interpessoais. Na vida do
amargurado, a permanência indefinida da dor alimenta-se da entrega insana ao
passado. Como se tudo deixasse de existir, ele autoaprissiona-se no fato que
lhe constringe. Ou seja, abandona às favas a vida cotidiana, ignorando o sacro
direito de experimentar o único tempo que realmente possui: o presente. Além da
prisão temporal, criada e mantida por sua própria consciência, quem mergulha na
vitimização “eterna” da mágoa alardeia despossuir forças suficientes para
livrar-se da dor. No entanto, o amargurado é incapaz de parar de sofrer porque
ele adora apanhar. Isto é, não sabe viver sem atrair a atenção ao seu “pesado
fardo”. Perfeccionista patológico, ele rejeita as deficiências alheias. Incapaz
de viver num mundo defeituoso, também recusa os próprios deslizes. Inábil para
expressar a raiva, não anuncia desagrados e considera-se onipotente. Vive
afastado do presente e apega-se às maquinações da ansiedade. Diante de uma
realidade oposta à idealização doentia que alimenta, todos os dias aliena-se
infinitamente. Enfim, atua numa realidade fantasiosa na qual não há falhas,
“abafando” as suas emoções.
A
melhor saída diante da mágoa é o imediato perdão. Perdoando, alivia-se dores e
experimenta-se a cura plena. Transmutando depressão em crescimento pessoal,
quem perdoa vive com maior alegria. Acredita-se que o perdão apenas livra o
ofensor. Como algo distinto do simulacro, perdoar, no entanto, é livrar-se da
dor. Ou seja, agir no aqui-agora, sepultando as ofensas no passado. Da mesma
maneira, há quem pense que perdoar é esquecer a dor. Perdoar, contudo, não é
esquecer. Perdoar é aprender a livrar-se dos malefícios e dos perpetradores, se
necessário. Perdoando, livra-se de vez do sofrimento, cortando o mal pela raiz,
experimentando-se o doce cálice do amor próprio.
Reconhecendo
e aceitando por completo a falácia da relação perfeita, supera-se a mágoa. A
mágoa supera-se mediante a consciência plena das próprias falhas, aliviando-se,
com justiça, os erros alheios simultaneamente. Experimentando a humanidade com
isenção absoluta e constante, supera-se a mágoa. A mágoa supera-se desvendando
e acolhendo as limitações inerentes ao existir como poderosas fontes de
aprendizado permanente. Assumindo quando necessário as suscetibilidades
próprias e alheias, supera-se a mágoa. A mágoa supera-se aproveitando ao máximo
o tempo presente em prol dos objetivos imprescindíveis ao evoluir universal.
Enfim, como o magoado muito sofre por causa de ações equivocadas, urge
assumi-las como uma parte útil ao aprendizado. Agindo assim, descobre e
experimenta-se novos horizontes. Logo, aceitando e consertando todas as
incertezas da vida, a mágoa supera-se perdoando!
Resolva
já os seus problemas, sobretudo as dificuldades de relacionamento, para viver
com alegria e amor. Evitando resolvê-los, aliena-se ao acaso o direito sagrado de
viver. Em suma, entregar-se à mágoa é viver a vida alheia, aniquilando o seu
direito nato à felicidade por conta do medo de se autoexpressar. Silenciando-se
aquilo que lhe incomoda, aloja-se no íntimo uma poderosa energia a qual
alimenta um interminável círculo de viciosa autoflagelação. Pior do que um
bate-boca é abrigar raiva no coração, pois ela transmudará em desprezo,
distanciamento, frieza, hostilidade e perfídia. Aprenda com a natureza. Observe
como os animais resolvem as suas dificuldades. Se é para brigar por algo que
desejam, resolvem rápido. Observe como as crianças descarregam logo a ira que
experimentam quando perdem um brinquedo.
Quem
não perdoa, autoflagela-se. Além de renegar a compreensão, desconhece o amor
próprio quem se apega a meros deslizes. Quem não perdoa por puro capricho, além
de carregar as ofensas alheias, convive com o ofensor na sua consciência,
indefinidamente. Não perdoar é aprisionar-se ao passado. Quem não perdoa, ao
invés de livrar-se dos agressores, persiste cativo ao falacioso
autoperfeccionismo. Sentindo-se ofendido com os erros alheios, deve-se,
portanto, exercer a anistia autolibertadora do perdão. Não importa o tamanho da
ofensa. O que importa é perdoar livrando-se daquilo que incomoda, permitindo um
novo amanhã todos os dias, superando a mágoa, perdoando!
Flávio
Alves Barbosa
São
Paulo, 18 de maio de 2016.