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quarta-feira, 15 de junho de 2016

SUPERANDO A MÁGOA, PERDOANDO!

Manifestando-se mediante antipatia, desforra e recalques, a mágoa é um sentimento autodestrutivo. Fortalecendo-se na ansiedade, “azeda” relações, sobretudo ante os supostos agravos. Recusando incertezas, “arrebata-se” pela hipotética perfeição. Gerando conflitos desnecessários, arruína relações. Diante disto, o magoado considera-se um constante desafortunado. Como são inúmeros os malefícios impulsionados pelo perfeccionismo, eliminá-la é indispensável ao amadurecimento pleno. Perdoando é a única maneira de vencê-la.

Viciado na autotortura, o amargurado é um constante procrastinador. Inábil para resolver os seus problemas, apega-se às suas dores, remoendo a vida “infinitamente”. Portanto, esquece que o passado e o futuro são belas ilusões. Como só se respira ar contemporâneo, todas as experiências sempre se manifestam no aqui-agora. É impossível tragar o que já passou, do mesmo modo que é pura fantasia solver o porvir. Embriagada no passado, a raiva transmuda-se em mágoa. Silenciada no presente, gera inúmeros transtornos. Transforme a raiva antecedente às mágoas num eficaz solvente moral, porque assim eliminada será mediante perdão e amor próprio.

Diante das incertezas diárias, impossível é, uma vez ou outra, viver sem experimentar dores e desgostos indesejados. Mesmo inconsciente disto, acumulam-se ferimentos, físicos e morais. Portanto, em algum momento liba-se algo indesejado — o qual poderá principiar a mágoa. Aliás, incrédulos da inexistência da perfeição absoluta, também é grande a possibilidade de amargura, desilusão e autoflagelo nas relações interpessoais. Na vida do amargurado, a permanência indefinida da dor alimenta-se da entrega insana ao passado. Como se tudo deixasse de existir, ele autoaprissiona-se no fato que lhe constringe. Ou seja, abandona às favas a vida cotidiana, ignorando o sacro direito de experimentar o único tempo que realmente possui: o presente. Além da prisão temporal, criada e mantida por sua própria consciência, quem mergulha na vitimização “eterna” da mágoa alardeia despossuir forças suficientes para livrar-se da dor. No entanto, o amargurado é incapaz de parar de sofrer porque ele adora apanhar. Isto é, não sabe viver sem atrair a atenção ao seu “pesado fardo”. Perfeccionista patológico, ele rejeita as deficiências alheias. Incapaz de viver num mundo defeituoso, também recusa os próprios deslizes. Inábil para expressar a raiva, não anuncia desagrados e considera-se onipotente. Vive afastado do presente e apega-se às maquinações da ansiedade. Diante de uma realidade oposta à idealização doentia que alimenta, todos os dias aliena-se infinitamente. Enfim, atua numa realidade fantasiosa na qual não há falhas, “abafando” as suas emoções.

A melhor saída diante da mágoa é o imediato perdão. Perdoando, alivia-se dores e experimenta-se a cura plena. Transmutando depressão em crescimento pessoal, quem perdoa vive com maior alegria. Acredita-se que o perdão apenas livra o ofensor. Como algo distinto do simulacro, perdoar, no entanto, é livrar-se da dor. Ou seja, agir no aqui-agora, sepultando as ofensas no passado. Da mesma maneira, há quem pense que perdoar é esquecer a dor. Perdoar, contudo, não é esquecer. Perdoar é aprender a livrar-se dos malefícios e dos perpetradores, se necessário. Perdoando, livra-se de vez do sofrimento, cortando o mal pela raiz, experimentando-se o doce cálice do amor próprio.

Reconhecendo e aceitando por completo a falácia da relação perfeita, supera-se a mágoa. A mágoa supera-se mediante a consciência plena das próprias falhas, aliviando-se, com justiça, os erros alheios simultaneamente. Experimentando a humanidade com isenção absoluta e constante, supera-se a mágoa. A mágoa supera-se desvendando e acolhendo as limitações inerentes ao existir como poderosas fontes de aprendizado permanente. Assumindo quando necessário as suscetibilidades próprias e alheias, supera-se a mágoa. A mágoa supera-se aproveitando ao máximo o tempo presente em prol dos objetivos imprescindíveis ao evoluir universal. Enfim, como o magoado muito sofre por causa de ações equivocadas, urge assumi-las como uma parte útil ao aprendizado. Agindo assim, descobre e experimenta-se novos horizontes. Logo, aceitando e consertando todas as incertezas da vida, a mágoa supera-se perdoando!

Resolva já os seus problemas, sobretudo as dificuldades de relacionamento, para viver com alegria e amor. Evitando resolvê-los, aliena-se ao acaso o direito sagrado de viver. Em suma, entregar-se à mágoa é viver a vida alheia, aniquilando o seu direito nato à felicidade por conta do medo de se autoexpressar. Silenciando-se aquilo que lhe incomoda, aloja-se no íntimo uma poderosa energia a qual alimenta um interminável círculo de viciosa autoflagelação. Pior do que um bate-boca é abrigar raiva no coração, pois ela transmudará em desprezo, distanciamento, frieza, hostilidade e perfídia. Aprenda com a natureza. Observe como os animais resolvem as suas dificuldades. Se é para brigar por algo que desejam, resolvem rápido. Observe como as crianças descarregam logo a ira que experimentam quando perdem um brinquedo.

Quem não perdoa, autoflagela-se. Além de renegar a compreensão, desconhece o amor próprio quem se apega a meros deslizes. Quem não perdoa por puro capricho, além de carregar as ofensas alheias, convive com o ofensor na sua consciência, indefinidamente. Não perdoar é aprisionar-se ao passado. Quem não perdoa, ao invés de livrar-se dos agressores, persiste cativo ao falacioso autoperfeccionismo. Sentindo-se ofendido com os erros alheios, deve-se, portanto, exercer a anistia autolibertadora do perdão. Não importa o tamanho da ofensa. O que importa é perdoar livrando-se daquilo que incomoda, permitindo um novo amanhã todos os dias, superando a mágoa, perdoando!

Flávio Alves Barbosa


São Paulo, 18 de maio de 2016.